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(Último) Capítulo 26 – Cícero e Garcia


Garcia já havia tentado contato com dez bases diferentes pelo rádio, mas não obteve resposta em nenhuma tentativa. Aquilo já estava ficando repetitivo e desanimador, mas ele continuou tentando contato em todos os outros canais disponíveis.


- Detetive Garcia falando da base de operações de São Paulo, alguém está ouvindo? Responda, tem alguém ouvindo?


- Isso não vai adiantar – Cícero reclamou. – O que vamos fazer Garcia?


- Não desista tão fácil. Vamos achar um jeito.


- É ótimo você pensar assim, mas não vamos poder ficar aqui por muito tempo – Cícero falou enquanto olhava pela janela e via a movimentação lá embaixo.


- Continue vigiando Cícero. Tenho certeza que vamos conseguir alguma resposta – Garcia falou, tentando acreditar mais nas palavras que saiam de sua boca do que em seu coração.


- Há uma movimentação estranha lá embaixo – Cícero disse. – Parece que todos os esqueléticos estão indo para aquele prédio ali – ele apontou para o horizonte, mas de onde Garcia estava não dava para ver. – Aí caramba, o Juninho. Será que está tudo bem com ele?


Garcia levantou a cabeça e o olhou com um olhar distante e sem esperança estampado no rosto.


- Me diz você – ele falou. – Você é quem sabe para onde ele foi.


- Infelizmente não sei – Cícero respondeu com pesar -, só falei aquilo porque parecia ser importante para ele e também porque ele pareceu não se sentir à vontade para explicar.


- Entendo – Garcia respondeu, admirado com o sentimento de Cícero.


Garcia tocou em outro botão de sintonização do painel de administração e partiu para a próxima tentativa. Aquela base havia sido criada há muito tempo atrás para auxiliar os estados na caça a fugitivos e criminosos e também para apoio em tempos de crise e guerra, caso viessem a acontecer. Os botões de contato estavam separados por região e estado, de modo que no painel, feito com os traços do país, contava com um botão para cada um dos vinte e seis estados e mais um para o distrito federal. Garcia foi tentando contato primeiro com as bases mais próximas. Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Espirito Santo, Rio Grande do Sul e nada, nenhuma resposta sequer e gelou ao pensar na hipótese de todo o país já ter sido tomado por aquela raça devastadora.


Estava agora fazendo contato com a base de Minas Gerais quando ouviu um ruído em resposta.


- Olá, olá, tem alguém aí? – Tentou novamente e mais uma vez a resposta foi um ruído indecifrável.


Cícero ainda estava falando a respeito do que estava vendo lá embaixo, mas Garcia parou de prestar atenção a algum tempo, se concentrando apenas no ruído, tentando decifrar o que estava sendo dito.


- Os esqueléticos estão se dispersando novamente – Cícero falou -, parece que não era nada demais...


- Espere Cícero – Garcia o interrompeu -, venha até aqui.


Cícero saiu da janela e foi lá conferir.


- Parece que estabelecemos contato com Minas Gerais.


- Sério? O que eles disseram.


- Não consegui entender. Escute.


Garcia apertou novamente o botão de comando e falou.


- Olá, alguém está me ouvindo? Tem alguém aí? Aqui é o detetive Garcia da base de São Paulo.


Um ruído soou no interfone novamente, mas dessa vez se seguiu uma palavra dita em um sussurro: Não me mate.


- Não me...mate? – Cícero perguntou. – Como assim?


- Soldado, escute – Garcia falou apertando o botão novamente. Precisamos de ajuda, você pode...


Um grito desesperado interrompeu Garcia e um silêncio se seguiu depois disso. Os dois ficaram parados diante do painel de comunicação sem entender o que havia acontecido. Então um ruído começou a soar novamente no interfone e uma voz grave falou do outro lado:


- Não existe nenhum soldado por aqui.


Um baque se fez ouvir e Garcia concluiu que aquela base também já havia sido invadida e o soldado que, aparentemente estava se escondendo do esquelético, havia sido encontrado e morto.


- Ele morreu por nossa culpa – Cícero falou com um pesar na voz.


- Não tínhamos como saber – Garcia pareceu tão triste quanto Cícero, mas se obrigou a ver a lógica do que estava acontecendo. – Mas podemos definir um caminho a partir de agora. Pelos contatos que tentei, tudo indica que o Sul e o Sudeste já foram completamente tomados, mas existe uma possibilidade remota de conseguirmos algo no Norte ou Nordeste.


- Então temos uma chance – Disse Cícero sem muita convicção. - Vou continuar vigiando a janela enquanto você continua tentando.


Cícero virou as costas e foi até a janela novamente. Garcia estendeu a mão e tocou o botão de comunicação relacionado a Bahia e começou a chamar novamente, não demorou muito e uma voz desesperada respondeu do outro lado.


- Olá detetive, estamos sendo atacados, toda a cidade já foi destruída, alguns já partiram daqui, mas foram poucos.


- Partiram para onde, soldado? – Garcia perguntou.


- Partiram, todos estão indo para o refúgio na Amazônia, é para lá que você deve ir, não há como vencê-los.


- Tudo bem, soldado, se acalme, por favor. Preciso de mais detalhes do que está acontecendo.


- Não há tempo para isso detetive. Você está muito longe, precisa correr. Nós estamos partindo agora, antes que seja tarde. Traga o máximo de pessoas que puder, precisaremos de todos nesse momento de terror.


- Tudo bem, tudo bem – Garcia respondeu, desejando mesmo ter mais alguém para levar consigo além de Cícero. – Teremos apoio a partir de onde?


- Não detetive, você não está entendendo, não existe apoio nenhum até chegar na Amazônia. O objetivo agora é se esconder e agrupar e... – Ele parou de falar de repente -, preciso partir, adeus.


- Espere, espere, por favor – Garcia entrou em desespero, mas não houve resposta e então lançou longe o interfone e começou a destruir toda a mesa de comunicação em um impulso de raiva.


- Garcia – Cícero falou.


- Não há mais chances, Cícero – disse ele, se acalmando após o excesso de raiva. - Você tinha razão, estamos perdidos.


- Garcia – Cícero falou novamente, com calma, indicando a porta da sala de comunicação.


Garcia se virou lentamente ao se levantar e olhou para a porta e viu dois esqueléticos semi-convertidos, um adulto e uma criança menor, parados de pé observando-os. O esquelético menor ainda vestia uma camiseta toda rasgada e aqueles traços azul e brancos com a gola vermelha lhe remetiam a lembranças que jamais poderia esquecer. Garcia não precisou de muito tempo para identificar aquelas pessoas e uma lágrima começou a rolar em seu rosto enquanto sentia todo seu corpo travar.


Os dois não esboçaram nenhuma reação ao vê-lo ali, imóvel, e ficaram encarando aquele homem com olhos completamente perdidos na escuridão de sua própria morte espiritual.


Garcia permaneceu imóvel por um tempo em que pareceu ser uma eternidade, como se aquela visão fosse apenas fruto de um pesadelo terrível, um pesadelo que seria capaz de lhe tragar a vida.


Os dois esqueléticos então, abaixaram a cabeça, olhando para o chão, e se viraram lentamente para ir embora, desistindo de ataca-los. Garcia poderia jurar que viu um leve resquício de lágrima caindo daqueles glóbulos oculares vazios, o que seria humanamente impossível, talvez fosse apenas uma leve sensação causada pela enorme tristeza que pairava no ar daquele cômodo naquele momento.


Garcia caiu de joelhos levando as duas a cabeça e Cícero correu até ele para consolá-lo, ajoelhando-se ao seu lado e lhe dando um abraço.


Garcia ficou ali por quase dois minutos remoendo aquele terrível sentimento e precisou ser levantado por Cícero, que entendia o peso daquela confirmação da enorme perda por parte do amigo, mas entendia também o aviso que haviam recebido do soldado. Eles precisavam sumir dali o mais rápido possível.


Garcia se apoiou no ombro de Cícero e se levantou, e então os dois começaram a descer as escadas do prédio novamente. Se havia algum motivo para continuarem vivos e lutarem contra aquilo um dia, precisavam chegar até a Amazônia, uma distância gigantesca que os separava da destruição de hoje para a destruição do futuro.


- Não há esperança agora – Garcia resmungou -, tudo está perdido.


- Sei que você não acredita nisso, Garcia. E sei também que se vingará desses monstros, por sua família. Eles esperam isso de você – Cícero fez uma breve pausa. – Eu espero isso de você.


E o sol começou a se pôr lá fora, como se estivesse levando embora os últimos resquícios de felicidade daqueles dois sobreviventes.


FIM

T.S.Duque


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