Capítulo 20 - Cícero, Juninho e Garcia
- T.S.Duque
- 2 de out. de 2015
- 7 min de leitura

Um estrondo do lado de fora da delegacia chamou a atenção dos três e Garcia correu na frente para verificar, com Cícero e Juninho logo atrás.
Abaixaram próximo a enorme porta de vidro, atrás de uma mesa que estava tombada, de modo a ver o que se passava na rua e não serem vistos. Haviam na rua cerca de cinco esqueléticos vasculhando todos os destroços e entulhos espalhados por todos os lados e o barulho havia sido provocado por que um deles levantou um carro inteiro, para olhar debaixo, e depois o largou com força, caindo no chão com um estrondo.
- Estão procurando sobreviventes – Garcia falou num sussurro.
- Por que querem tanta gente no exército deles? – Juninho perguntou. – Não entendo.
- Com certeza não é à toa – Garcia respondeu. – Estão se preparando para uma enorme guerra.
- E o que vamos fazer agora? – Disse Cícero. – Precisamos de notícias de Arsênio, temos que falar com ele.
Garcia virou para ele, ignorando os vagantes lá fora.
- Talvez tenha um jeito – falou se recostando na mesa tombada. – Temos uma base de comunicação via satélite na Avenida Paulista.
- E como vamos chegar até lá? – Juninho ponderou. – São quase quinze quilômetros de distância daqui.
- Temos que tentar. É o único jeito – Garcia respondeu.
- Precisamos tomar muito cuidado – Cícero falou, olhando para os indivíduos lá fora na rua. – Eles devem estar espalhados por toda a cidade agora.
Garcia o encarou e virou novamente para a rua. Sabia o grande desafio que seria preciso enfrentar para chegar até a Avenida Paulista àquela altura, mas não havia outro jeito. Precisavam se comunicar com Arsênio e, quem sabe, conseguir reforços militares para ajudar.
Os esqueléticos aos poucos foram se afastando, lançando carros aqui e ali, como se estivessem nervosos por não encontrar nada, nenhum humano para continuar a matança.
Garcia ficou imaginando a força que aqueles monstros possuíam e temeu sair por aí e ser pego por uma dessas coisas, por isso se levantou e foi até uma sala no outro canto da delegacia.
- Onde você vai? – Cícero perguntou.
- Venham comigo. Em outras circunstâncias não faria isso, mas agora não tenho opção.
Garcia sacou mais uma vez seu molho de chaves, escolheu a maior delas e foi caminhando até uma porta de aço no final do corredor. Ao abrir a porta Juninho e Cícero ficaram admirados. Havia prateleiras de armas em todos os cantos do cômodo de pouco mais de cinco metros quadrados. Garcia escancarou a porta e disse:
- Entrem. Peguem o que puderem carregar.
Com um sorriso de orelha a orelha os dois entraram e começaram a se armar. Cícero pegou duas pistolas e um coldre para guarda-las na região da cintura. Pegou também uma terceira para carregar a partir dali e pensou consigo mesmo em não largar mais. Havia uma bolsa verde no chão e Cícero pegou também, colocando toda a munição que viu pela frente.
- Ei, vá com calma – Garcia falou. – Não vai conseguir carregar tudo isso.
- Ah, não é? Observe.
Cícero fez uma careta ao tentar levantar a bolsa, mas conseguiu. Jogou nas costas e girou nos dedos a arma que estava segurando.
- Gostou chefe? – Cícero falou e sorriu.
Garcia também sorriu, um motivo simples para sorrir diante de tamanha confusão.
Juninho foi mais básico. Seu histórico de vida lhe impedia de gostar daquele tipo de situação, ainda que as circunstâncias pedissem mais agressividade. Nunca gostou de violência, de fazer justiça com as próprias mãos, de andar armado. Mas esses eram gostos de um Juninho do passado, não podia fazer parte daquele Juninho, naquele momento.
Sacou duas pistolas e inseriu uma na perna, dentro da meia, e a outra deixou na mão, pronta para ser usada. A munição colocou nos bolsos da jaqueta, tudo o que foi possível guardar e sentiu o peso dela lhe incomodar os ombros.
Garcia sacou duas pistolas também e colocou na cintura, assim como Cícero, e mais uma para a perna. Pegou também alguns pentes de munição e guardou nos bolsos e foi até o canto esquerdo do cômodo, estendeu a mão direita na parede e arrastou para o lado uma pequena porta de madeira. Atrás da porta haviam duas metralhadoras de porte pequeno em exposição na parede, com alguns pentes de enfeite logo abaixo. Garcia sacou uma delas, pendurou a alça no ombro e se virou.
- Ei, eu também quero uma dessas – Cícero protestou.
- Com essa quantidade de munição que está carregando? – Garcia falou. – Acho impossível. Juninho, fique com a outra.
- Ah, com certeza – Juninho falou, reprimindo sua repugnância naquele objeto. Largou a arma que estava segurando e correu para sacá-la. Jogou também nos ombros e sorriu para Cícero.
- Tudo bem, tudo bem, podem ficar com seus brinquedinhos, mas vou matar mais desses esqueletos do que vocês.
Garcia achou graça. O otimismo de Cícero era algo a se considerar diante daquela crise. Talvez fosse necessário um pouco de humor para lhe dar com aquilo e também serviria para afastar seus pensamentos desesperados no filho e na esposa, faria de tudo para encontra-los, mas naquele momento precisava manter o foco e chegar até a base de comunicação.
Saíram da delegacia olhando por todos os lados e concluíram que os esqueléticos que estavam verificando tudo já haviam desaparecido. Garcia tomou a frente e passou a caminhar a passos largos em direção ao objetivo, sempre se esgueirando por carros e entulhos espalhados pelas ruas para verificar se estavam sendo vigiados ou se havia alguma ameaça à espreita.
Os primeiros quilômetros foram tranquilos e ver a cidade daquele jeito, completamente vazia, era de assustar. Garcia já estava acostumado a atender ocorrências policiais pela cidade e sempre havia a dificuldade de chegar nos locais devido o trânsito de milhares de pessoas a todos os momentos em todas as vias e, agora, estava diante de uma cidade fantasma. Uma São Paulo fantasma. Pensou ele.
Fantasma até que uma gritaria lhe chamou a atenção. Cícero olhou para trás primeiro e viu dois homens e um mulher correndo na direção deles no final da rua, mas eles não estavam sozinhos, três esqueléticos estavam correndo atrás deles também. Os três se posicionaram, com as armas em punho, esperando o momento certo para atirar, pois não tinha visão suficiente para acertar os alvos corretos.
O primeiro esquelético alcançou a mulher e o grito de terror dela se fez ouvir acima de todos os outros. Logo ela já estava como seu captor, correndo atrás dos outros também.
- O que vamos fazer? – Cícero falou com uma voz tão desesperada quanto a dos homens perseguidos.
- Esperem, não temos como atirar, podemos acertar os humanos – Garcia falou.
- Se não agirmos agora eles vão morrer de qualquer jeito – Cícero devolveu.
- Tenho uma ideia – Juninho falou e correu na direção deles pela lateral da rua. – Me deem cobertura.
- Não, espere – Garcia gritou, mas Juninho já havia corrido.
Um dos esqueléticos percebeu e começou a correr na direção dele. Garcia o viu de longe e se afastou de Cícero para cobrir Juninho do outro lado da rua.
- Fique aqui – disse ele -, atire assim que tiver uma boa visão.
Garcia passou a correr no momento em que ouviu os disparos da metralhadora de Juninho. Olhou para o outro lado e viu o esquelético tombando, e contorcendo no chão. Não tinha morrido, mas também não conseguia se mexer. Se voltou para a frente novamente e viu um esquelético vindo também em sua direção, estendeu a arma e passou a atirar e logo viu o monstro rolando no chão com as rajadas de tiros lhe perfurando os ossos.
Agora haviam dois esqueléticos perseguindo os homens que continuavam correndo desesperados. Um deles tropeçou numa pedra e caiu e então o esqueleto o alcançou definindo seu destino. Os três agora pareciam mais furiosos, por isso começaram a correr mais rápido. Garcia e Juninho passaram a atirar pelas laterais e conseguiram derrubar dois deles, mas o terceiro saltou em cima do último homem e o matou, logo transformando-o em caveira também. Agora não havia mais motivos para não atirar, e uma rajada de balas veio das três direções e fizeram com que os esqueléticos restantes caíssem com dificuldade para se levantar.
Nenhum esquelético havia morrido, todos se arrastavam no chão tentando se levantar e continuar a caça, mas não conseguiam.
- Vamos dar o fora daqui antes que estes mortos tenham força para correr atrás de nós – Cícero falou e os outros dois concordaram.
Passaram então a correr o mais rápido possível em direção à base na Avenida Paulista, deixando a excessiva cautela de lado e passando rápido pelos obstáculos com as armas em punho, prontas para atirar em qualquer coisa que aparecesse pelo caminho, já que tinham visto o que aquilo causava aos esqueletos.
Chegaram enfim a última rua de acesso, correndo dessa vez mais rápido ainda, com o fôlego renovado em ver o destino tão próximo. Chegaram ao fim da rua e viraram para a direita e então todos pararam de repente.
- Oh, meu Deus – Juninho expressou com espanto.
- Isso é mais grave do que pensei – Garcia falou e os três ficaram paralisados diante do que viam.
Os enormes prédios da Avenida Paulista estavam todos tombados, pelo menos todos que conseguiam ver, deixando uma barreira de selva de concreto instransponíveis aos olhos. Tombados em cima de carros, de postes, de caminhões, uns maiores em cima de outros menores, uma visão que jamais imaginariam ver em toda a vida e foi com essa visão que escutaram o barulho.
Uma marcha estava a caminho.
Uma marcha de muitos pés.
Uma marcha que colocava ainda mais pressa no objetivo daqueles três sobreviventes e então retomaram a corrida sem dizer mais nenhuma palavra.
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