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Capítulo 19 – Arsênio

  • T.S.Duque
  • 1 de out. de 2015
  • 6 min de leitura

Um lugar desconhecido, nas circunstâncias atuais, sempre causa um calafrio e foi justamente esse calafrio que quase fez com que Arsênio desse dois passos para o lado errado. Para trás. Não para a frente.


Ao ouvir aquela voz o chamando, pedindo para entrar e dizendo que já estava esperando por ele, fez tudo fazer sentido, ela era realmente uma bruxa poderosa, e ponderou sobre a opção de dar meia volta e fugir enquanto ainda havia tempo, mas soube, bem lá no fundo, que não poderia ser tão fácil, sobretudo por que ela parecia estar realmente esperando por aquele momento, um momento que dificilmente abriria mão.


- Estou esperando por isso a tanto tempo – Arsênio a ouviu murmurando lá dentro em uma entonação próxima a felicidade, mas ao mesmo tempo a quilômetros de distância de expressar esse sentimento.


Arsênio então entrou. Devagar e tomando cuidado excessivo por onde pisava, sentindo um medo natural de armadilhas.


A porta atrás de si se fechou da mesma forma que abriu, sozinha, mas por algum motivo aquilo não o incomodou e continuou caminhando.


Estava em um corredor pouco iluminado por velas penduradas dos dois lados separadas por cerca de três passos de distância uma da outra, hora do lado direito, hora do lado esquerdo.


As paredes eram de madeira e, ainda que com a luz fraca, pôde reparar que eram perfeitas, com superfícies lisas e brilhantes.


De onde estava não dava para ver o final do corredor, mas à medida que foi se aproximando, seu campo de visão foi aumentando e conseguiu ver uma pequena porta no fim do corredor deixando escapar uma fina luz branca por debaixo. Estendeu a mão para girar a maçaneta, mas a porta estava trancada e não se abriu.


Arsênio passou a caminhar com dificuldade, dessa vez na direção contrária. Sua idade avançada já não era bom requisito para aquele tipo de situação e começou a ficar impaciente.


- Venha Arsênio, estou aqui – Arsênio ouviu a voz ecoando na direção da porta menor no final do corredor por onde acabara de dar meia volta. Uma risada aguda se seguiu ao comentário parecendo passar por ele e indo direto para fora.


Arsênio deu meia volta novamente e foi lá conferir, chegando próximo a porta estendeu a mão para girar a maçaneta novamente que dessa vez se abriu.


Uma luz forte surgiu quase o cegando e levou um tempo para acostumar as vistas, mas quando o fez sentiu como se seu queixo tivesse caído, rebatido no chão e voltado com toda força para o devido lugar, instigando uma forte dor de cabeça.


Arsênio estava diante de uma sala gigantesca, com diversos hologramas espalhados por todos os lados, flutuando em todas as direções, cada um mostrando uma cena diferente. Reparou que um deles mostrava exatamente ele mesmo, parado em uma sala, olhando para os hologramas e concluiu que se tratava de imagens da vida real, em tempo real.


Arsênio estava tão vislumbrado com aquilo que mal se deu conta de que Antera estava ali, parada ao seu lado, observando a mesma coisa que ele, e quando percebeu, o susto o fez cair no chão.


- Ora, ora – disse ela ajudando-o a se levantar -, não seja tolo meu velho.


- O que...o que significa isso?


- Vamos com calma – ela respondeu. - Aceita uma água? Você parece tão pálido.


Arsênio aceitou e ela o guiou até uma poltrona disposta no canto da sala, uma poltrona que lhe dava uma visão privilegiada a todos os hologramas disponíveis.


Antera desapareceu por um minuto e reapareceu, tão rápido quanto sumiu, estendendo um copo de água para Arsênio e sentando-se na poltrona ao lado.


- Ora, ora, é um enorme prazer ter você aqui.


Arsênio não soube o que responder diante do comentário, por isso ficou calado, o que logo concluiu que não tinha sido uma boa ideia.


- Ora, mas você não fala? – Disse ela – É claro que fala, eu já vi você falando, então por que não fala comigo?


- Eu... – tentou ele -, não sei...


- Tudo bem, tudo bem meu velho. Fique calmo. Tome sua água.


Arsênio virou o copo e teve a leve sensação de que a água daquele copo não tinha fim, pois precisou se esforçar para parar de beber quando percebeu que já estava entornando quase um litro sem parar. Baixou o copo e então teve certeza, ele continuava cheio, o que confundiu ainda mais sua cabeça.


- Esse copo é especial, não? – Disse ela com um sorriso no rosto, achando tudo aquilo muito divertido e Arsênio lhe devolveu um sorriso amarelo, um sorriso que desapareceu completamente quando levantou novamente os olhos e viu o lado de fora do museu em um dos hologramas.


- Aí, minha nossa. O que é isso? O que houve?


- São eles. Começaram a fazer o trabalho. É por isso que está aqui, não é?


- Você...você olha tudo o que acontece por lá?


- Tudo o que acontece em todos os lugares que me interessam. Está vendo aquele ali? – Ela apontou para um holograma mais próximo da poltrona e mais para o lado esquerdo, que mostrava o jardim mais florido que Arsênio já tinha visto em toda sua vida, com um balanço no centro, feito de cordas bem grossas e um acento de tronco de árvore. – O mantenho bem perto. Gosto desse lugar em particular. Era onde Aquira brincava quando pequena, pouco antes de partir. Fico imaginando ela ali, todos os dias, mas está aí uma coisa que não posso ter mais.


Arsênio voltou os olhos para o holograma mais acima, aquele que mostrava o museu, e viu a rua principal completamente destruída, com destroços de todos os tipos espalhados pela entrada de seu museu, uma visão que quase o fez desabar.


Havia estudado sua vida inteira para evitar esse tipo de tragédia. Havia enfrentado toda aquela viagem para evitar esse tipo de tragédia. Mas falhara na primeira tentativa e agora estava falhando também na segunda tentativa.


- Precisamos parar isso – disse ele para Antera -, por favor, nos ajude a acabar com isso, você deve saber o que fazer.


- E sei – disse ela simplesmente -, mas não sou eu quem precisa fazer alguma coisa.


Arsênio não entendeu.


- Do que é que você está falando?


- Aquira não te contou? É claro que contou, eu vi tudo. Ela disse que alguém iria lutar contra isso e é claro que esse alguém não sou eu.


- Como não pode ser você? – Arsênio começou a entrar em desespero. – Você teve poder para criar isso, então tem poder para parar também.


- Não é assim que as coisas funcionam Arsênio. Um feitiço nada mais é do que um desejo que estava escondido em algum lugar ou dimensão e que foi materializado em nosso mundo. Não existem meios de impedir um feitiço depois que ele é materializado, a não ser cumprindo com a profecia que o acompanha. Alguém irá lutar contra isso, disse ela para Marcos, você precisa encontra-lo.


- Não, não, isso não pode ser verdade. Vim até aqui para escutar isso? Você não pode estar falando sério.


- Arsênio, escute bem, você não veio até aqui para escutar isso, você veio até aqui para redescobrir quem é de verdade e assistir a tudo isso comigo. Esse é nosso filme. Estamos esperando por ele há anos.


Arsênio gelou.


- Não percebeu que você já deveria ter morrido há muito tempo? – Continuou ela. – Acha que se encontrou com Aquira por acaso? Acha que está aqui todo esse tempo por acaso?


- Não estou entendendo – Arsênio falou, sentindo um desânimo aterrador lhe tomar conta do corpo.


- Arsênio – Antera falou calmamente -, você é nosso pai, nosso mestre. Esse desejo de destruição é seu, sempre foi seu, você já estava se esquecendo de quem é ao ponto até mesmo de envelhecer nesse seu corpo eterno. Mas agora acabou. É hora de apenas contemplar o mal que você criou. Sua vingança aos herdeiros da terra de Dom João.


- Isso não é água, não é mesmo? - Arsênio baixou a cabeça e olhou para o copo que estava segurando.

- Isso, Arsênio, é o que lhe trará de volta a sua verdadeira vida.


Arsênio viu seus olhos forçadamente se fechando e sentiu a cabeça repousando na poltrona enquanto todos os hologramas giravam diante de seus olhos até que tudo se transformasse em escuridão, uma escuridão que estava levando-o embora de sua vida atual e viajando até suas verdadeiras origens.


- Eu sou Bonaparte – disse ele -, e o legado de Dom João será finalmente destruído.


 
 
 

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