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Capítulo 18 – Cícero, Juninho e Garcia


Ver as coisas mudarem tão de repente gera choque. Um choque que tomou conta dos três ao saírem do museu e irem até a rua. Tudo estava completamente destruído, inclusive seus corações.


Garcia olhou para o lugar onde havia estacionado seu carro e ficou de boca aberta quando viu apenas os destroços da lataria virado de ponta cabeça. Olhou ao longo da avenida e tudo o que pôde contemplar foi mais destruição. Carros de todos os tipos por cima da calçada, no meio da rua, de pé, encostado em postes, alguns de lado, outros virados para baixo como o dele, postes caídos atravessando a avenida de ponta a ponta, prédios com janelas completamente destruídas, alguns menores tombados, outros, porém, intactos como o museu e filas e mais filas de motocicletas amontoadas uma em cima da outra.


Juninho já havia reparado em tudo isso e já olhava para o céu, num primeiro momento pensando em pedir socorro, mas depois do que viu mal conseguia abrir a boca para pronunciar palavras. Estava acostumado a mudanças repentinas de temperatura e clima na cidade, era algo comum amanhecer com um sol radiante e, menos de horas depois, se deparar com uma forte chuva alagando a rua toda, mas nunca havia visto algo como aquilo.


Uma nuvem espessa e uniforme pairava sobre o céu com trovões poderosos explodindo aqui e ali, trovões tão palpáveis aos olhos como nunca havia visto antes. Alguns não desciam do céu, ficavam lá em cima iluminando de passagem a nuvem negra e gerando um barulho ensurdecedor, outros, porém ziguezagueavam por entre as ruas destruídas, deixando ainda mais rastros de destruição pelo caminho.


Cícero se jogou para dentro do museu novamente no exato momento em que um relâmpago estourava o chão brilhante do átrio do museu, reverberando seu som imponente por todo o salão. Juninho correu para ajuda-lo, mas Cícero já estava de pé, voltando para ver o estrago e se deparando com uma cratera de quase dois metros de diâmetro.


Garcia continuava olhando para todos os lados, tentando imaginar a que ponto aquilo tudo chegaria e checando o celular a cada cinco minutos com a esperança de que Ramon ou sua esposa ligassem para mandar notícias, mas logo viu a barra de sinal se perder e transformar-se em um enorme X vermelho. O sinal havia sido cortado, provavelmente as criaturas haviam destruído alguma torre de comunicação.


Garcia atirou o celular no meio da avenida com uma raiva que jamais havia sentido até então, bufando e praguejando tão alto quanto aqueles relâmpagos.


- O que vamos fazer, Garcia? – Cícero falou, tentando se fazer ouvir acima do barulho natural do mundo naquele momento.


- Preciso buscar minha família – disse ele determinado -, vocês não precisam ir se não quiserem, mas não posso fazer nada sem encontra-los primeiro.


- Vamos com você – Cícero falou e olhou para Juninho que concordou com um aceno de cabeça -, afinal de contas Arsênio ainda não deu notícias, portanto não temos muito o que fazer contra essas coisas.


- Então vamos – Garcia falou e passou a correr por entre os carros destruídos sem perder tempo.


Juninho e Cícero foram em seu encalço, ora tropeçando, ora desviando de relâmpagos, ora saltando obstáculos, e a todo o momento correndo, sem parar.


Chegaram na entrada da delegacia em pouco mais de vinte minutos e Garcia parou abruptamente na entrada passando a caminhar até lá com passos leves e lentos, prestando atenção em tudo ao redor.


Uma escadaria de pelo menos dez degraus se elevava da calçada e dava diretamente em uma porta gigantesca de vidro que proporcionava uma visão panorâmica e privilegiada da rua lá de dentro, mas àquela altura já estava completamente destruída também. O coração de Garcia gelou quando viu aquilo e uma lágrima passou a escorrer em seu rosto.


Juninho e Cícero perceberam e pararam também há poucos metros de Garcia e ficaram olhando aquele homem caminhar em direção a maior desgraça que poderia acontecer a um pai de família, uma cena que levou Juninho a se recordar da própria perda.


Garcia subiu as escadas já prevendo que não iria encontrar nada lá dentro, mas mesmo assim subiu, precisava ver com os próprios olhos. Cícero e Juninho foram atrás.


Garcia passou pelos escritórios e foi até um corredor na lateral direita do prédio cujo um portão cinza, de ferro reforçado, o aguardava no final. Sacou um maço de chaves do bolso, escolheu uma delas e estendeu para abrir o cadeado e só então se deu conta de que ele já estava aberto, trincado melhor dizendo, o que aumentou ainda mais seu temor.


Garcia empurrou o portão devagar e passou a percorrer um corredor de celas pequenas separadas por uma parede de quase um metro de espessura. Estava escuro, devido à falta de energia, por isso Garcia sacou uma lanterna que estava pendurada na parede, deu duas sacudidas para acendê-la e passou a mirar em todos os cantos do recinto.


Passou pela primeira cela, o portão estava aberto, e não havia ninguém lá dentro, por isso continuou caminhando, levando a lanterna hora para a direita, hora para a esquerda.


Repetiu o movimento nas próximas dez celas seguintes, todas abertas e vazias e viu seu coração se acelerar ainda mais a cada passo que dava. Na última cela, porém, viu que o cadeado ainda estava trancado e uma pontada de esperança lhe veio bater à porta, mas ao estender o facho de luz da lanterna pelas extremidades do cômodo, sentiu ela ir embora tão rápido quanto havia chegando. A cela estava vazia.


Por puro instinto caiu de joelhos e levou as mãos ao rosto. Não podia acreditar no que estava acontecendo. Sua esposa e seu filho haviam sumido e toda sua força de lutar parecia estar sumindo também naquele momento.


Garcia então sentiu uma mão lhe tocar o ombro, buscando reconforta-lo, mas mesmo assim não parou de chorar.


Juninho estava ali, amparando um homem que estava vivendo algo que ele mesmo viveu há anos atrás, mas ironicamente por mãos humanas, não por monstros renascidos dos mortos. A humanidade sempre teve o dom de se matar e agora uma raça diferente veio ajuda-los.


Garcia retirou a mão direita do rosto e pousou sobre a mão de Juninho, um gesto que demonstrava a gratidão daquele homem em ter alguém para compartilhar aquele sofrimento.


- Eles estão mortos – disse ele em meio a soluços -, eles estão mortos, não...não...não...não posso acreditar nisso.


- Talvez não estejam – Cícero se aproximou dizendo, talvez buscando reconfortar o detetive, mas também querendo revelar algo que ninguém havia percebido até então -, quero dizer, eles não estão aqui para comprovarmos isso, podem estar em qualquer lugar. Há uma coisa em que não reparamos e que só agora me dei conta.


- E o que é? – Garcia perguntou, enquanto se levantava lentamente e se recompunha de sua dor.


- Em todo o caminho até aqui não havia um corpo sequer nas ruas, há algo muito estranho acontecendo, algo que ainda não compreendemos em sua totalidade.


- Ele tem razão – Juninho falou -, para onde foi todo mundo?


- Não queria pensar nisso – Garcia falou -, mas se for o que estou pensando é bem pior do que a morte e pode representar mesmo nosso fim.


Os três se entreolharam como se aquele olhar respondesse a todas as questões que pairavam no ar naquele momento e a lanterna, única fonte de luz daquele corredor escuro, resolveu se apagar também, levando com ela os últimos resquícios de sobriedade que havia naqueles homens marcados por tantas perdas.


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