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Capítulo 17 – Arsênio


A chegada em Portugal foi tranquila e o fato de Arsênio saber exatamente onde encontrar a mãe de sua esposa ajudava bastante. As inúmeras conversas que teve com Aquira lhe deixava um passo à frente de qualquer outra pessoa que conhecia para poder lidar com aquele assunto e Antera, segundo a filha, era uma pessoa extremamente amorosa, com ela pelo menos, mas com as outras pessoas você vai preferir não descobrir, dizia ela, simplesmente.


Um comentário que não despertava nenhum desejo sequer por parte de Arsênio em conhecer a sogra, um fato corriqueiro nas pessoas comuns, mas elevada ao quadrado em se tratando daquela família.


Lembrar disso fez seu estômago embrulhar. Havia comido pouco durante a longa viagem, talvez por ansiedade, talvez por que a comida não era muito convidativa, ou talvez não estivesse afim de dispersar os pensamentos com comida, aquilo que tinha para resolver era muito mais urgente e não conseguiu se desligar tão facilmente.


Será que ela vai realmente querer ajudar? Pensou durante a maior parte da viagem. Se Antera a amava tanto como Aquira pensava, por que lançou um fardo tão pesado quanto aquele sobre ela, uma garota de apenas dez anos de idade? Eram questões perturbadoras demais para ficarem grudadas na cabeça, mas estavam, e pareciam que não iriam embora.


- Senhor, está tudo bem? – O motorista perguntou para Arsênio em meio a curvas e retas de uma estrada sem fim, numa terra distante, em um carro alugado.


- Ah, sim – Arsênio respondeu, como se resgatado de um distante devaneio.


- O que acha que vai acontecer quando chegarmos lá?


- Ótima questão, Saul – respondeu ele para o motorista -, mas não faço a mínima ideia.


- E você acha mesmo que ela vai querer nos ajudar? Digo, se fez o que fez, seria possível existir misericórdia em seu coração, se é que ela tem um?


- Precisamos acreditar nisso, precisamos acreditar nisso – Arsênio respondeu com um olhar perdido na paisagem verde que passava rapidamente pelo vidro do carro.


Já estavam dirigindo por cerca de uma hora quando Saul pegou uma via a direita, deixando a rodovia de asfalto e entrando por uma rua estreita de terra.


Arsênio sentiu o carro sacolejar e pôde notar que a estrada não passava por manutenção periódica, sobretudo pelo capim presente nas laterais que quase encobria o carro todo.


Arsênio reparou também que não havia iluminação, o que não era um problema para aquele momento, já que o sol estava bem alto lá no céu, mas não demoraria muito para se pôr e também colocar os dois em uma completa escuridão.


Depois de quase dez minutos andando por aquela estrada, a uma velocidade bem reduzida, o capim, que antes estava alto, foi baixando, deixando à mostra diversos Pinheiros-bravos de todos os tamanhos possíveis e aninhados um ao lado do outro de forma tão precisa que parecia ter sido esculpido a mão, dando vida a uma floresta tão densa que era impossível penetrá-la com os olhos.


A visão, portanto, passou a se limitar apenas à frente, pois atrás também já se formava uma névoa densa de poeira, por onde o carro estava passando. Arsênio se sentiu encurralado. Um sentimento péssimo para aquele momento e capaz de lhe travar o corpo. Sentiu um medo e uma ameaça crescente e não soube discernir se era pela sensação e estar preso, sem opções de caminho, a não ser para a frente, ou se realmente algo estava espreitando por aquela floresta, algo ruim, algo pior do que estava acontecendo no Brasil.


Lembrar do Brasil lhe deu forças, sabia o que estava acontecendo lá e, seja o que fosse que acontecesse com eles ali, em Portugal, dificilmente seria pior do que voltar para o Brasil sem uma solução para aquela catástrofe, por isso precisava acreditar que ia conseguir, caso contrário, era melhor morrer ali mesmo do que voltar e contemplar seu país arruinado.


Arsênio olhou mais uma vez para o lado e a floresta continuava imponente, encobrindo-os de qualquer visão do mundo lá fora, como se naquele momento só aquele mundo existisse, só aquele ambiente, só aquele cenário e nada mais.


- Olhe Arsênio – Saul falou, apontando para a frente.


Arsênio seguiu a direção apontada pelo indicador direito de Saul e viu que a estrada estava chegando ao fim, terminando abruptamente em um pequeno portão de madeira, ladeado por uma cerca fraca de arame farpado encoberto por trepadeiras úmidas.


Saul parou o carro há pelo menos dez metros de distância e os dois se entreolharam como que buscando coragem para enfrentar aquele desafio.


- Eu vou – Arsênio falou, finalmente -, espere aqui e se eu não voltar em uma hora vá embora e...


- Não meu senhor – Saul o interrompeu -, jamais deixarei você aqui. Vou junto.


- É melhor não Saul, alguém precisará voltar para alertar Cícero caso alguma coisa aconteça comigo e, além do mais, já passou da hora de eu conhecer minha sogra.


Arsênio sorriu. Um sorriso que Saul não conseguiu decifrar se era de medo ou esperança.


Diante daquele comentário Saul decidiu não questionar mais. Percebeu no brilho dos olhos de Arsênio que, no fundo, ele esperava há muito tempo por aquele momento. O momento de ter respostas para tantas perguntas que vinha fazendo para si mesmo durante quase um século encafurnado naquele museu, estudando tudo o que era possível, para conseguir impedir aquele mal. Falhara. Não havia conseguido nada. E ali, diante dele, estava a chance de finalmente dar sentido a sua vida e cumprir a gigantesca promessa que fez a sua amada.


Uma promessa que, sempre soube, seria difícil de cumprir, mas precisava, sobretudo pelo amor que tinha por Aquira, um amor que jamais poderia explicar.


Arsênio saiu do carro lentamente acompanhado apenas por sua promessa e o desejo de cumpri-la. Saul saiu do carro também, mas ficou de pé, do lado de fora, apenas olhando Arsênio em sua jornada até o portão e sentiu suas pernas tremerem devido à enorme tensão daquele momento.


Arsênio chegou ao portão e olhou para Saul, um sorriso tímido lhe escapou dos lábios lançando uma confiança que Saul jamais havia sentido. Arsênio abriu o portão e o atravessou e passou a percorrer um caminho de pedras lapidadas a perder de vista, até sumir na neblina, e então Saul percebeu que suas pernas não estavam mais tremendo.


Arsênio continuou caminhando sem olhar para trás. A trilha de pedras o estava levando diretamente para uma casa que, aos poucos foi aparecendo em seu campo de visão. Não estava escuro, mas a neblina presente naquele lugar era digna de filme de terror, o que dificultava demais a visão de Arsênio, que já não era das melhores.


Passou por um pequeno poço e pode ouvir um eco subindo de suas profundezas, como o som de um pássaro reverberando em suas estruturas, um som que lhe provocou um frio na espinha, mas não o suficiente para detê-lo.


Ao chegar mais próximo da casa pôde ver o quanto era grande. Uma varanda se estendia por pelo menos vinte metros de comprimento com uma porta vermelha no centro e duas janelas grandes de vidro, uma de cada lado. Acima era possível ver outro andar e mais três janelas dispostas uma ao lado da outra, indicando que ali havia diversos quartos caso precisassem passar a noite.


O acesso a porta era feito através de uma escada de quatro degraus de madeira, com vasos de rosas amarelas nas beiradas dos dois lados. Também haviam samambaias penduradas no teto da varanda e uma pequena gaiola com um papagaio dentro.


Arsênio subiu os degraus lentamente, pensamento de modo involuntário em não incomodar o bichano, para que não começasse a gritar, utilizando de seu dom da fala. Chegou a porta e viu que não havia nem mesmo uma maçaneta e estendeu a mão direita para bater, mas não foi necessário. Ao aproximar a mão da porta ela começou a se abrir sozinha, com um ranger de dobradiças tenebroso. Uma voz soou lá dentro, longínqua, porém audível.


- Entre Arsênio – disse uma voz tão velha quanto a terra -, já estava esperando por você.


Arsênio gelou, mas colocou um pé depois do outro e entrou e então disse para si mesmo.


- Um homem com promessas não pode partir.


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