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Capítulo 14 – Detetive


Depois de quase cinco minutos tocando a campainha do apartamento Garcia ouviu uma voz bem baixa sussurrando do outro lado da porta.


- Pode abrir, por favor. É da polícia. – Disse ele, mas a única resposta continuou sendo um sussurro indecifrável.


Garcia estava intrigado. Girou a maçaneta da porta para verificar se estava aberta, mas sem sucesso. No corredor do prédio apenas silêncio e um vazio tão profundo quanto a morte. Garcia sentiu como se fosse o único habitante da terra naquele momento. Como se qualquer coisa que falasse ali, diante daquela porta, não seria possível receber de volta uma resposta.


- Escute – tentou novamente, com a voz mais amigável que conseguia pronunciar -, eu sei o que você viu, mas agora está segura. Nós recebemos a sua ligação. Está tudo sob controle agora.


- Não está, não está – a voz devolveu, finalmente em uma entonação que Garcia conseguiu entender. O comentário não ajudava muito, mas já era um começo.


- O que acha de abrir a porta para conversarmos melhor? Quem sabe pode me dar mais detalhes do que aconteceu lá embaixo.


- O que...aconteceu lá embaixo? – A mulher perguntou, agora confusa – Não, não, não – ela começou a pronunciar a palavra como se fosse a única que havia sobrado em seu vocabulário naquele momento de terror, elevando a voz cada pronuncia.


- Acalme-se, acalme-se, por favor, está tudo bem.


E então silêncio.


Garcia começou a ficar inquieto. Agora nem mesmo os sussurros eram ouvidos do outro lado da porta. Um silêncio absoluto que seria capaz de paralisar um coração acelerado. Resolveu esperar, dessa vez em silêncio, como companhia solitária daquela ausência de sons.


Depois de alguns minutos o silêncio foi quebrado pelo ranger de dobradiças da porta que estava se abrindo bem lentamente. Um facho de luz lhe penetrou os olhos e ele resolveu empurrar a porta lentamente, terminando de abri-la.


Para sua surpresa não havia ninguém próximo a porta. Um corredor se estendia diante dele por pelo menos uns quatro metros ladeado por paredes brancas e quadros exóticos na parede.


No final do corredor dava-se direto em uma porta de vidro com uma enorme cortina azul cobrindo a vista da sacada e do lado direito uma sala. Reparou no sofá vermelho e nas rosas também vermelhas dispostas no centro da sala. Um tapete marrom estava sob o vaso no centro e ao lado do sofá, espremida entre ele e a parede, estava uma mulher aparentemente jovem, com cabelos loiros caindo pelos ombros e mãos completamente trêmulas segurando a nuca.


Garcia voltou a ouvir os sussurros e se sentiu aliviado ao concluir que ela ainda estava viva. O suicídio era tão comum na cidade, com pessoas aparentemente normais, imagina do que aquela garota seria capaz de fazer com a própria vida depois do que viu.


Garcia foi primeiro até a janela, afastou um pouco a enorme cortina para ver um pouco a distância que estava da rua principal e concluiu que dali realmente era possível ver muita coisa.


- Olá – falou, se aproximando devagar e tentando não assustá-la – eu sou o Detetive Garcia. Gostaria de saber mais sobre o que você viu lá embaixo. Acha que está preparada para falar a respeito?


- Não, não – ela continuava sussurrando e Garcia percebeu que não adiantaria ficar insistindo, precisaria esperar.


Começou a andar pela sala e viu um quadro pendurado na parede. Uma mulher já bem idosa com cabelos completamente brancos sorria com uma rosa na mão direita, elevando-a até a altura do rosto. A mão esquerda abraçava uma menina de pouco mais de quinze anos, era loira de olhos bem claros e estava olhando fixamente para quem estava tirando a foto com um sorriso bem discreto nos lábios. Ao fundo era possível ver um enorme jardim, com flores de todos os tipos e uma trilha que dava diretamente a uma casa de telhados marrons. No canto inferior direito havia uma inscrição com letra de mão dizendo: Minha filha querida, paz e graça esteja convosco.


Garcia não sabia o motivo, mas permaneceu olhando para aquela foto por um bom tempo, perdido nas próprias lembranças, indo a lugares há muito tempo esquecidos. Lembrou de sua mãe, morta quando ainda tinha dez anos. Lembrou de sua vó, que o criou até a maioridade. Pensou em como a vida passava diante dos olhos de forma tão rápida. Sentiu um vazio tão profundo no peito, como se não houvesse mais esperanças ou motivos para lutar. Sentiu um desespero quando pensou em quão terrível as pessoas haviam se tornando e quanto mal já haviam feito umas às outras. E sentiu tudo isso ir embora de repente quando uma mão tocou sem ombro direito.


- Detetive – a voz soou fina e delicada.


- Olá... oi – ele respondeu, nervoso por ter sido pego de surpresa.


- Eu vi coisas terríveis – disse ela -, não sei se estou sonhando ou se estou ficando louca, mas aquilo não é possível.


- Me conte o que houve, bem devagar e pare sempre que precisar.


Ela contou. Tudo o que havia visto lá embaixo. Parou em alguns momentos. Chorou em outros. Mas contou tudo e Garcia ouviu sem interromper, como uma criança que ouve uma história antes de dormir.


- Talvez seja difícil de se lembrar, mas você viu o modelo do carro, cor, ou para que direção ele foi depois que...bem, depois que você viu isso que me contou?


- Sim, eu vi. Era um carro preto, não sei o modelo exatamente, daqui não conseguia ver, mas era grande, como um carro de funerária, mas havia uma coisa desenhada na porta, é isso, havia uma inscrição, alguma coisa como Portas ou chaves.


- Museu das Portas & Chaves? – Disse ele, surpreso.


- Isso, isso mesmo. No momento que ele parou e salvou o garoto que estava encurralado eu pude ver. Eles foram em direção ao centro, por aquela rua ali – disse ela apontando para a rua.


- E os que ficaram? Eles não foram atrás do carro?


- Não, não foram. Ficaram parados olhando o carro partir e depois eu entrei correndo, fiquei com muito medo.


- Imagino que sim. Não é uma coisa que se vê todos os dias. Vou continuar investigando isso. Agradeço muito pela ajuda. Se você preferir posso te levar para a delegacia para ficar sob proteção por lá.


- Detetive, estou com muito medo, de verdade, e assustada também, mas se eu vi o que vi realmente, não terei proteção em lugar algum, portanto prefiro ficar aqui e me preparar para o pior – ela se aproximou da fotografia na parede e passou a tocá-la – talvez já esteja na hora de eu me juntar a minha querida mãe, onde quer que ela esteja.


Aquilo tornou o ar ainda mais pesado do que quando a jovem estava apenas em silêncio e Garcia percebeu naquele momento que, mais triste do que a própria morte, era desistir de viver ou viver sem possibilidades, e então pensou em seu filho. Não era aquele futuro que queria para ele e não deixaria as coisas fugirem do controle. Portanto saiu daquela casa rápido, não sem antes agradecer mais uma vez a contribuição da jovem, e foi diretamente para o Museu das Portas & Chaves. Naquele momento, as únicas respostas possíveis para o fato, pareciam estar lá e esse pensamento fez todos os outros se esvaírem bem lentamente, dando lugar a uma força de lutar que há muito tempo não sentia.


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