Capítulo 11 – Detetive
- T.S.Duque
- 18 de set. de 2015
- 5 min de leitura

O detetive Garcia já estava acostumado a resolver os casos de assassinato na cidade. Era experiente e tinha uma facilidade muito grande para prender os assassinos, sobretudo por sua frieza em analisar os problemas que se apresentavam, por isso sempre ligavam para ele quando o assassinato era muito bizarro ou sem explicação.
Já prendeu assassinos de crianças, mulheres, filhos, de todos os tipos, e o que mais notava era a enorme semelhança no olhar dos culpados. Todos sedento de ódio, ira, mas com uma expressão de cansaço, como se no fundo estivessem tentando se redimir ou se arrepender, mas não conseguiam, fato que acabava gerando tanta revolta nas pessoas acostumadas a ver tudo pelos jornais ou na televisão.
A banalidade com que as coisas viam sendo feitas, todavia, assustava Garcia. Cada vez mais se deparava com casos inacreditáveis. Há cerca de dois meses atrás, foi chamado para interrogar um homem de pouco mais de vinte e cinco anos que havia matado o próprio filho, de apenas cinco anos. Quando soube do que se tratava, chocou-se, e sentiu uma dor no peito que aquele homem parecia não ser capaz de sentir.
Com quarenta e oito anos, pai de um filho de cinco anos também, Garcia se identificou muito com aquilo e buscou com todas as suas forças entender se era possível existir um motivo para fazer tal coisa.
- Não fui eu quem fez isso – o suspeito tentou se defender.
- Vou te explicar, então, como as coisas vão funcionar. – Garcia falou. – Nós já levantamos todas as provas e a circunstância em que o crime ocorreu, portanto você pode negar, mas pagará por isso de qualquer forma. Mas você pode decidir falar e, talvez, ter uma pena mais leve, ou ficar de boca fechada e sofrer consequências mais severas.
Garcia falava aquilo tentando soar assustador, mas sabia que a lei brasileira era falha e, não raro, via policiais prendendo mais de uma vez a mesma pessoa, pois sempre eram soltos por algum motivo que a sociedade e todos aqueles que tem um pouco de humanidade não conseguiam enxergar, nem se quisessem.
O sujeito olhou para ele, com aquele mesmo olhar de sempre: assustado, porém com raiva. Com medo, porém sem temor. Arrependido, porém sem remorso. E depois de quase um minuto em silêncio ele disse:
- Tudo bem, fui eu. Eu confesso. Mas me prometa que vão pegar leve comigo, por favor.
Garcia não acreditaria no que estava ouvindo se já não tivesse tão acostumado. O pai não estava em nenhum momento pensando no filho, ele estava apenas preocupado com a própria sentença, que gostaria que fosse “leve”, tranquila, que não fosse um enorme fardo. O que é isso que está tomando conta da humanidade?, pensou.
- Você é um filho de uma puta mesmo – disse ele nervoso -, por que fez isso com seu filho rapaz.
- Queria provocar minha namora... ex-namorada.
- Como é que é?
- Olhe detetive, ela me procurou, querendo terminar comigo, mas não era correto, tínhamos que cuidar do nosso filho, juntos. Nós dois. Como um casal.
- Você faz alguma ideia do que está falando seu desgraçado? O que seu fil...quer dizer, o garoto de apenas cinco anos tem a ver com isso?
- Detetive – disse ele friamente -, se ela não queria ficar comigo, também não iria ficar com meu filho. Não podia deixar. Ela não tinha condições de cuidar dele.
Garcia ficou encarando-o boquiaberto.
- Desculpa detetive – o pai falou.
Garcia sorriu. Não um sorriso de felicidade. Um sorriso de desespero. Onde vamos parar desse jeito?
- Levem esse homem – gritou para os guardas -, ele confessou. Garantam que pague pelo o que fez.
Agora ali, no quarto do seu filho, pensava se haveria, algum dia, coragem dentro de si para fazer algum mau aquela pequena criatura, igual ao pai daquele menino. Duvidava muito disso, por isso se tranquilizou. Mas a dor no peito continuava lá independente do que fizesse.
Já passava da meia noite e sua esposa já havia ido se deitar também. Garcia ainda voltou para seu escritório de casa para ler alguma coisa, e viu a foto do cemitério estacionada em cima do teclado do computador. Não lembrava de ter deixado ali, mas quando fez menção de apanha-la seu celular começou a tocar. Estendeu a mão no bolso da calça e atendeu.
- Detetive Garcia falando.
- Boa noite Detetive – disse uma voz feminina do outro lado -, aqui é do disk denúncia. Recebemos a orientação de entrar em contato com você caso alguma coisa acontecesse próximo ao cemitério central.
Garcia sabia. A ordem havia partido dele. Aquele caso dos ossos roubados e do responsável pelo cemitério ter sido assassinado ainda não havia sido resolvido.
- Prossiga – disse ele.
- Recebemos uma ligação de uma pessoa que mora próximo ao local. Disse que viu algum tipo de movimentação estranha na rua.
- Estranha como?
- Ela disse que foi um atropelamento. Um carro atropelou três...pessoas.
- Pessoas?
- É que ela não disse, exatamente, pessoas.
- E o que ela disse? Fale logo, já está me deixando nervoso.
- Ela disse que eram três pessoas, mas um esqueleto tocou nelas e todas viraram caveiras também. Talvez seja algum tipo de trote, não sei. Uma hora dessas as pessoas costumam passar dos limites.
- E o carro? – Disse Garcia.
- Que carro?
- O carro cacete, você mencionou um carro no começo, o que o carro fez? Que carro era? Para onde ele foi?
- Certo, certo, o carro. Ela disse que era um Toyota preto, talvez, não conseguiu ver direito por que estava na sacada do prédio. Ele passou por...
Garcia desligou o celular, pegou as chaves do carro e se virou.
- O que houve querido? – Sua mulher estava de pé, na porta do escritório.
- Preciso sair – disse ele -, volto assim que puder.
Garcia saiu de casa rápido, entrou em seu carro, e partiu em direção ao cemitério central. Chegando lá viu apenas ruas vazias. Desacelerou o carro e passou a dirigir bem lentamente e então viu marcas de pneu no asfalto. Estacionou o carro e desceu para observar de perto. Olhou em volta e viu do lado direito um muro extenso a perder de vista e do lado esquerdo diversos prédios residenciais. Todos estavam com as luzes apagadas, exceto um, no último andar do prédio de quase vinte andares, logo à frente da marca de pneu no asfalto.
- Ninguém conseguiria apagar as luzes depois de ver o que essa pessoa parece ter visto – conclui para si mesmo e foi até lá verificar.
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