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Capítulo 10 – Cícero

  • T.S.Duque
  • 17 de set. de 2015
  • 3 min de leitura

O carro partia a toda velocidade em direção ao cemitério central de São Paulo. O funcionário do museu estava no volante por que Arsênio se considerava velho demais para dirigir. Cícero fazia companhia para o velho no banco de traz.


Havia levado certo tempo para recobrar a consciência e entender tudo o que estava acontecendo. Mas bastou dois tapas no rosto para acordar, ainda confuso, mas atento.


- Quantos anos você tem, hein? – Cícero perguntou, confuso.


- Que pergunta indelicada meu jovem – O velho falou.


- Não, é só que, as histórias que contou e tal, como pode ainda estar vivo?


- Um homem com promessas não pode partir.


Cícero fez menção de responder, mas o carro fez uma curva fechada e o canto dos pneus se sobrepuseram a sua voz.


- Estamos quase chegando – disse o funcionário.


- Como é seu nome mesmo? – Cícero o perguntou.


- Pode me chamar de motorista.


Cícero não gostou. Que sujeito arrogante. Pensou em responder, mas o carro fez mais uma curva e parou bruscamente, e Cícero viu algo aterrorizador.


A uma distância de pelo menos quinze metros à frente havia três seres esqueléticos virados de costa que passaram a se virar lentamente em direção ao carro quando ouviram os pneus cantando na freada. Logo à frente havia um homem parado encostado em um poste e, mais adiante, quase no final da rua, um homem baixinho segurando uma bolsa estava acompanhado por um ser esquelético, como os outros três, mas bem maior e mais forte.


Quando os três concluíram a rotação e se viraram em direção ao carro os ombros de Cícero pesaram. Sabia que o que havia matado seu velho amigo Marcos não era algo natural, mas agora, ali, vendo aquilo tudo de perto, era assustador.


- Mantenha a calma, meu jovem – o velho sussurrou tentando consola-lo.


Cícero tentou. Por um momento que pareceu uma eternidade. Os três pares de glóbulos oculares vazios fixados no carro e outros três pares de olhos assustados devolvendo o olhar. Sem fazer nenhum movimento sequer.


Cícero mal percebeu, mas de repente viu os três esqueléticos vindo correndo, rápido, na direção do carro e o motorista acelerando bem fundo contra eles, cantando pneu.


- Isso vai dar certo, Arsênio? – Ele gritou, elevando a voz acima do ronco do motor.


- Espero que sim.


Não demorou muito e logo estavam colidindo. Cícero viu crânios passando em câmera lenta no para-brisas do carro. Clavículas se chocando no retrovisor. Fêmures se espatifando no capô. Tíbias, Perônios, Tarsos, cada osso que antes estavam em movimento se desvencilhando e estourando em alguma parte do veículo. O motorista não parou o carro até chegar junto do homem que estava encostado no poste.


- Abra a porta, rápido – o motorista gritou o comando e Cícero obedeceu. – Entre, entre.


O homem entrou no carro e o motorista voltou a cantar pneu, fugindo do local. Passaram pelo o outro homem que estava junto da criatura maior e Cícero pode contemplar de perto o enorme vazio que havia naquele olhar. Ao contrário do que imaginou, eles não tentaram impedir a fuga, mas o simples acompanhar de olhos já era o suficiente para travar o motor do carro ou os corações daqueles que estavam lá dentro. Felizmente nada disso aconteceu e seguiram caminho. Cícero olhou para trás e viu os três que haviam colidido com o carro de pé novamente, se juntando ao ser maior.


- Vamos precisar de mais do que isso para parar essas criaturas – falou.


O velho assentiu. O motorista olhou para o novo homem que agora estava dentro do carro.


- Talvez eu possa ajudar – disse o homem. E o silêncio caiu como se fosse a única resposta possível para aquele momento fúnebre.


 
 
 

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