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Capítulo 7 - Mago

  • T.S.Duque
  • 14 de set. de 2015
  • 5 min de leitura

Nada melhor do que começar o recrutamento com seus companheiros de pós vida. Se é que Mago poderia considerar que mortos podem ser amigos depois de enterrados. Haveria comunicação entre eles em algum lugar? Uma pergunta que ninguém poderia responder, mas a determinação de seu mestre em começar por ali o recrutamento deveria significar alguma coisa. Em algum momento eles devem ter combinado isso. “Escutem, vou voltar para a superfície e depois volto para buscar vocês, tudo bem?”


Ou seria uma ação involuntária? Seriam recrutados a força. Não objetivavam as mesmas coisas que Irineu. O que movia Irineu não movia mais ninguém além de Mago. A humanidade seria destruída e daria lugar a uma nova raça. Uma raça cadavérica. Uma raça que, querendo ou não, todos iriam se tornar um dia. O nascer humano dando lugar ao renascer caveira.


A noite já caia pesada e densa e não haviam muitas pessoas na rua além de jovens drogados e bêbados em algumas esquinas. Caminhavam devagar em direção ao cemitério onde Irineu renasceu e aquelas poucas pessoas que viam aquele ser caminhando na rua dificilmente se lembrariam daquilo no dia seguinte a julgar pelo estado mental em que estavam e, ainda que se lembrassem, não saberiam diferenciar aquilo da loucura que os envolvia ao ingerir aquelas substâncias.


Próximo ao cemitério um jovem se aproximou dele, achando aquilo muito “irado”, como repetiu diversas vezes.


- Cara, você precisa me arrumar um uniforme desses – dizia ele cambaleando e mal pronunciando as palavras direito -, muito irado, muito irado.


- Afaste-se – Mago respondeu, sério.


- Poxa cara, foi mal. Só estava brincando – gargalhou e se afastou.


Os dois continuaram. A distância entre a caverna em que estavam e o cemitério não era grande. E a caminhada era honrosa e agradável. Um objetivo tão grande como aquele não poderia ser feito com pressa ou pesar. Irineu parecia querer desfrutar de cada passo até lá. Até o local em que os primeiros servos seriam erguidos.


Entraram no cemitério com facilidade e Mago passou a organizar tudo. Ficou se perguntando se Juninho apareceria por lá, por isso ficou de olhos abertos enquanto seu mestre acompanhava tudo de perto.


- Quanto tempo isso leva? – Perguntou ele.


- Não muito – respondeu Mago -, só preciso organizar tudo de forma precisa e já podemos começar.


- Ótimo – disse Irineu -, estou ansioso para começar.


Mago retirou uma pequena bolsa do ombro e colocou no chão. Abriu e pegou um pouco do pó que estava lá dentro. Proferiu algumas palavras enquanto segurava o pó com movimentos de pega e larga como se precisasse dizer aquilo com cada átomo do pó em mãos, afim de encantar todo conteúdo.


Mago se levantou e passou a fazer os desenhos com o restante do pó que tirara da virgem executada. Com as mãos em concha foi soltando um pouco de pó por vez. Fez um círculo perfeito de pelo menos dois metros de largura. Do lado de dentro do círculo passou a fazer alguns desenhos simples. Do lado esquerdo uma cruz. Do lado direito uma espada. A frente duas linhas paralelas representando uma estrada a ser seguida. E atrás escreveu a palavra Mortais.


A partir do centro passou a interligar os desenhos com rastros daquele pó maligno. Primeiro fez uma linha reta até a cruz e retornou até a espada e disse:


- Aqueles que estão mortos recebem agora a espada, a espada prometida, que os levará a glória neste mundo que já não é mais seu.


Sentiu o chão tremer e seu mestre sorriu. Se é que é possível uma caveira fazer isso. A partir da espada passou a soltar o pó em linha reta em direção ao centro novamente.


- E aqueles que eram mortais – disse ele, enquanto raios passavam a trovejar em um céu negro como a morte -, se levantam com suas armas.


O pó passou a percorrer em linha reta para baixo, em direção a palavra Mortais. O chão passou a tremer cada vez mais forte e os raios se intensificaram. Um vento forte começou a rodeá-los, contudo o desenho não se desfez, como se estivesse grudado no chão, como se o feitiço fosse muito poderoso para ser desfeito àquela altura.


- E de pé – continuou ele, aumentando o volume de sua voz com uma entonação poderosa -, agora, caminham em direção a glória prometida.


Com um movimento rápido passou a subir novamente com o pó em mãos, atravessando o círculo e fazendo a ligação entre a palavra Mortais e os dois traços de cima. O caminho.


Se levantou bruscamente e lançou o restante do pó no ar, gritando:


- Levantem-se. Levantem-se.


Irineu estava contemplando tudo com orgulho, enquanto seu servo gritava um comando tão poderoso quanto aquele.


O chão, que antes estava tremendo, passou a se rachar, e os túmulos começaram a ser romper quando um dos raios atingiu o centro do desenho de Mago. O último elo entre a morte e a vida.


Não importava o motivo da morte daquelas pessoas. Se natural. Se assassinato. Se acidental. Se havia sido uma pessoa boa, ou uma pessoa ruim. Não importava mesmo, todos, sem exceção, começaram a se erguer e passariam a seguir seu mestre. Afinal de contas, não existe sexo, religião, cor, raça, gostos ou lembranças depois que se está morto, no final de tudo todos são iguais. Não há bens. Não há desejos. Não há sonhos. Não há nada. Só um vazio. E agora aquele vazio estava sendo preenchido pelo objetivo de um ser poderoso.


Irineu sabia de tudo isso e, mais fácil do que treinar crianças para o mal enquanto vivas, seria conseguir seguidores no mundo dos mortos. Corpos sem escolha eram como pessoas sem alma. Iscas fáceis de controlar e convencer.


Aos poucos o chão parou de tremer, o vento sessou e os raios partiram, deixando apenas o céu escuro como antes. Em poucos minutos todos já estavam em pé, diante de Irineu, em posição de combate e extremamente organizados em fila indiana, tanto para trás, quanto para os lados.


- Ouçam – Irineu falou com objetividade -, temos em torno de dois mil de vocês aqui e todos já sabem o motivo disso. Vamos nos separar em dois grupos. O primeiro grupo vai para o norte, subindo em direção ao distrito federal, o segundo vai para o sul, recrutando todos pelo caminho. No final, vamos nos encontrar aqui novamente, no centro de São Paulo, essa será nossa casa. Enquanto isso eu e Mago vamos recrutar todos por aqui e deixar o ambiente mais, como posso dizer, a nossa cara – e Irineu gargalhou. Todos os outros o acompanharam. – Silêncio – Irineu gritou -, todos sabem o que precisam fazer. Você e você – Irineu falou, apontando para os dois esqueléticos mais próximos -, liderem os grupos. Não deixem nenhuma ossada passar. Quero todos aqui em uma semana.


Eles passaram a bater um braço no outro e gritar. Como um grito de guerra e terror. Aquele tilintar de osso batendo em osso arrepiou até mesmo Mago, que era a única raça diferente naquele lugar, naquele momento. Temeu. Mas sabia que ainda havia muito trabalho a fazer e ficou pensando em como as coisas seriam a partir dali.


- Mago – Irineu o tirou do transe -, divida o pó da virgem em três e entregue uma bolsa para cada um deles e explique o ritual. Logo todos deverão estar aqui com novos recrutas.


Mago fez o que Irineu pediu, chamou os dois esqueléticos, explicou tudo tão rápido quanto conseguiu e eles voltaram para junto dos seus, que agora já estavam separados em dois grupos.


- Mortais – Irineu gritou.


- Mortais – todos gritaram também, em unissono.


Mortais. Irineu pensou. Os verdadeiros mortais irão temer isso.


- Vão – Irineu gritou. E todos começaram a se transformar em pó e partiram em direção ao céu. Em busca de recrutas. Em busca de destruição. Em busca de sua glória.


 
 
 

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