Capítulo 6 – Cícero
- T.S.Duque
- 11 de set. de 2015
- 6 min de leitura

Agora sentado em sua sala Cícero pensava a respeito de tudo o que havia acontecido naquela noite. Recebeu alguns dias de folga para se recuperar do trauma e também para ficar livre para ajudar na investigação, caso a polícia o procurasse de novo, mas sabia que não haveria mais nada a dizer a eles, embora aquele detetive não tivesse ficado muito satisfeito.
Durante seguidas noites ficou encarando aquela chave, imaginando o que faria com ela e como lhe daria com aquele assunto. Ainda não havia descoberto como Marcos havia morrido, mas as circunstâncias lhe mostravam que não era algo natural. Diferentemente do que o detetive pensava, ele não acreditava que alguém entrou lá para roubar um corpo de um morto e depois matado seu amigo. Não fazia sentido. E pensar na outra hipótese era perturbador.
- Não, isso não é possível – repetia para si mesmo -, ou será que é possível?
Naquela noite, no entanto, começou a refazer os passos desde o dia que conheceu Marcos. Um sujeito calmo e misterioso. Com olhos negros como a noite e cabelos tão rasos e tão escuro quanto. Sempre se vestia muito bem e jamais aparecia em público sem aquele sobretudo preto, até mesmo em dias de calor, um traje que havia se acostumado a usar e que lhe era característico.
Marcos nunca falou muito sobre sua vida fora do trabalho, algo que Cícero nunca se importou em perguntar, mas que hoje poderia ajudar bastante. Não sabia se tinha amigos, e quem eram eles, esposa e quem era ela, onde morava, os lugares que frequentava, nada, não sabia absolutamente nada e as conversas que tinham nas rotineiras caminhadas pelo cemitério no final de cada turno eram sempre subjetivas. Falavam muito sobre a humanidade, o futuro, a natureza, os sentidos da vida e da morte. Era um sujeito que gostava de filosofar sobre a vida e muitas frases nem mesmo faziam sentido para Cícero, e ele nem mesmo questionava as coisas que não entendia.
Certa vez Marcos lhe perguntou se acreditava em algum tipo de vida após a morte.
- Nunca pensei a respeito – Cícero respondeu.
- Nunca pensou? – Marcos ficou surpreso – Como pode nunca ter pensando em algo desse tipo?
- Não sei, é só que me preocupo mais com o que vou fazer aqui durante a minha vida do que depois dela.
Marcos riu. Cícero o acompanhou.
- Pensamento sábio – ele disse -, mas seria bom se refletisse nisso. Quem sabe algum dia você venha a precisar saber como funciona esse tipo de coisa. – Seu tom de voz ficou sério, como se quisesse transmitir alguma mensagem, mas em dúvida se deveria. Diante de um olhar confuso de Cícero, Marcos prosseguiu. – Havia uma época que também não ligava para essas coisas, mas as vezes a vida nos leva por caminhos que nos obrigam a saber coisas que nunca tivemos interesse ou mesmo imaginávamos que existiam.
- Pois é – Cícero respondeu simplesmente.
- Bem, essa conversa não vai nos levar a nada, não é mesmo? – Marcos disse isso parecendo querer que Cícero descordasse, que insistisse no assunto, que quisesse saber mais.
- Também acho – Cícero respondeu e sorriu. Marcos não o acompanhou.
O que será que Marcos estava querendo me dizer? Agora pensava, olhando sempre para aquela chave talvez esperando que ela lhe dissesse algo, embora sua fisionomia também chamasse muita atenção. As cores douradas de ponta a ponta e seu tamanho relativamente grande, com quase 8 centímetros, tornava aquela uma chave especial. Seu cabo era comprido e bem trabalhado com curvas para cima e para baixo se entrelaçando e confundindo a vista ao buscar associar a um desenho especifico. Na ponta apenas duas saliências de pouco mais de 20 milímetros não revelavam o segredo de qual porta ela abriria.
Uma chave tão especifica só poderia abrir uma porta bem específica. Se é que ela abre alguma porta realmente. E encontrar essa porta agora se tornava a missão da vida de Cícero.
Fora do cemitério sua vida não fazia muito sentido. Nunca foi daqueles que se envolviam com grupos, ou causas, ou objetivos, sempre gostou de levar sua vida da forma mais simples, talvez esperando a hora certa para se envolver, talvez apenas com medo de sair do conforto. Mas agora havia recebido uma ordem direta de um homem que viu morrer sem saber como. Não poderia ignorar aquilo.
Os próximos dias foram além de só olhar a chave e passou a pesquisar a respeito. Na internet. Em livros. Em bibliotecas. Com professores de história. O assunto passou a tomar todo seu tempo. Alguém deve fazer ideia de para que serve essa chave.
Buscava todo tipo de informação. Todo tipo de porta que aquela chave poderia abrir. Mas os dias foram passando e não conseguia encontrar nada. Sua última tentativa foi em museu. Mas não era um museu qualquer. Era o Museu das portas & chaves. Um lugar que descobriu por a caso, enquanto fazia suas pesquisas. Aparentemente um local não muito divulgado na mídia.
Ao saber que aquele lugar existia ficou feliz. Um museu com esse nome com certeza terá alguém para ajudar, pensou, achando aquilo até mesmo óbvio demais.
- Com licença – se aproximou do primeiro homem que viu vestindo uma roupa diferente dos poucos visitantes que estavam no local -, você trabalha aqui?
- Sim – o homem respondeu gentilmente -, em que posso ajudar?
- Estou precisando de ajuda com um objeto – falou nervoso -, digo, com uma chave. Gostaria de saber se vocês têm alguma informação a respeito, vocês têm algum tipo de história das chaves por aqui?
- E como seria essa chave? – Perguntou ele pacientemente.
- Ela é...olhe – Cícero a retirou do bolso e a estendeu -, é essa aqui. Eu...eu achei e não faço ideia do que seja ou para que serve, mas achei ela muito diferente para jogar fora – foi a melhor desculpa que inventou na hora e sabia que mais tarde iria se arrepender.
- Vejamos – o funcionário a apanhou com cuidado – venha comigo, por favor.
Cícero achou o pedido estranho, mas sua curiosidade naquele momento era maior do que o medo. E ele foi.
Passaram por todo o átrio do museu e Cícero observou com espanto a enorme quantidade e modelos de chaves que via por todos os lados. Pendurados na parede. Cravadas no chão. Dentro de recipientes de vidro. Outras como monumentos se elevando no meio do salão com imponência. Outras ainda em pinturas artísticas, em quadros grandes, pequenos e enormes. E até mesmo no teto. Descendo em algum tipo de cordão e pairando a alguns metros acima do solo.
- Minha nossa – falou admirado -, não fazia ideia que existiam tantos tipos de chaves no mundo.
- Há tantas coisas no mundo que poucos sabem que você ficaria espantado – disse o funcionário -, e esse átrio é só o começo. No segundo andar temos uma exposição de portas e fechaduras. Você ficaria igualmente espantado.
Cícero ficou apenas imaginando, nunca pensou em visitar uma exposição de portas e também não tinha muito interesse. O que mais queria saber era sobre a chave. Aquele era o objetivo. E ele precisava manter o foco.
- Onde estamos indo? – Perguntou quando o salão principal foi chegando ao fim e ele viu se aproximar uma parede toda pintada de preto e uma pequena porta central também preta.
- Onde terá suas respostas – disse o funcionário, sem olhar para traz.
Cícero continuo seguindo, não haviam escolhas. O funcionário estendeu um pequeno crachá até uma pequena luz verde no canto da porta e ela se abriu. A frente apareceu uma escada pouco iluminada direcionada para baixo. Isso está ficando estranho, pensou. O funcionário desceu e ele foi atrás, devagar.
Desceram pelo menos uns cinquenta degraus e acabaram em um pequeno corredor com outra porta no final, a uma distância de pelo menos quinze passos. Cícero ficou assustado. O local lembrava o corredor de um hospício, com paredes brancas, porém manchadas de marrom e luminárias velhas e enferrujadas despencando do teto.
- Há outras coisas também que você parece não saber além das variedades de chaves que existem no mundo – disse o funcionário, agora numa entonação diferente e mais uma vez sem olhar para traz.
- É mesmo? – Cícero perguntou com sarcasmo – E o que seria?
- Primeiro, que ninguém perde uma chave como essa e segundo, que ninguém pode encontrar algo que outro nunca perdeu.
O funcionário estendeu a chave na frente do corpo. Encaixou no único buraco que havia naquela porta. Deu duas voltas para a direita. E Cícero contemplou algo que jamais imaginaria ver em toda sua vida.
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