Capítulo 4 – Mago
- T.S.Duque
- 9 de set. de 2015
- 4 min de leitura

A primeira conversa foi estranha. E também há muito tempo atrás. Mas Mago se lembrava de todos os detalhes. Das paredes do quarto repleta de livros espalhados por prateleiras cheias de pó. De seus móveis peculiares e metodicamente organizados. Da escuridão latente ao apagar as luzes para dormir. Da solidão de mais uma vez ir se deitar sem uma companhia física. Sem ninguém para lhe desejar um boa noite ou mesmo um bom dia quando acordasse. E de repente da sensação estranha de não estar sozinho que passou a tomar conta de seu peito. E do sonho. Principalmente do sonho. Um sonho tão real quanto poderia ser.
A voz lhe soou distante num primeiro momento e ele precisou se esforçar para ouvir. Não entendeu muito bem o que estava acontecendo, mas alguém estava lhe chamando, mas não por seu nome, não, definitivamente aquele não era seu nome, mas era como se fosse, era como se estivesse recebendo um novo nome, um nome que deveria usar a partir dali, pois depois daquela conversa, o antigo eu estaria morto e agora, junto com seu mestre, nasceria um novo ser, um novo homem, o Mago.
No segundo dia passou a tentar ouvir melhor aquele a quem lhe chamava pelo seu novo nome, um nome que gostou, um nome que poderia ter muitos significados, um nome que viria dar um verdadeiro sentido para sua vida. Um sentido que não havia encontrado até então.
No terceiro dia Mago começou a tentar responder a voz e a partir dali as conversas foram boas.
Do quarto dia em diante sua vida começou a mudar...completamente.
Como esperava, foi dado um significado para sua vida, uma missão de resgate, como intitulou seu novo mestre, uma mostra de que ficaria do lado certo quando tudo começasse e Mago não queria errar. Queria estar do lado certo, desejava fazer parte daquilo. E faria.
Nos dias que se seguiram passou a trabalhar. Reunir os ingredientes necessários foi o mais difícil, algumas coisas não disponíveis para qualquer pessoa, mas que foi buscar com convicção. O último foi o mais complicado: o osso de uma virgem triturado em pó, mas com uma observação: “Ela deve ser morta e desossada por aquele que fará o feitiço”. Aquilo o arrepiou. Nunca havia matado ninguém e não saberia se teria coragem para fazer aquilo, mas a voz o encorajou. Tinha que ser feito. E ele faria.
Matar a virgem não foi problema. Problema foi encontrá-la. Nesses tempos em que vivia não eram muitas as moças que se guardavam para o casamento, um obstáculo que precisava calcular com precisão, pois não poderia chamar a atenção para si naquele momento, deixando diversos corpos espalhados por aí até achar o correto, por isso a tarefa levou tempo. Observou a predestinada durante muito tempo até tomar a decisão e, quando fez, foi rápido. E o mais incrível foi que gostou. O nascer de um sentimento que mais tarde viria a ser muito útil.
O próximo passo era desossar o corpo e aquele garoto que, por acidente, presenciou o assassinato, “deveria” ajudar, caso contrário “precisaria” ser morto também. Diante da proposta Juninho não recusou e a partir dali passou a ajudar Mago, que explicou todo seu objetivo. Objetivo que Juninho também abraçou, pelo menos foi o que demonstrou, e disse que iria até o fim.
Não pensaram, no entanto, em quão terrível seria cumprir aquele objetivo, e tudo o que fizeram até aquele momento veio à tona quando Irineu surgiu naquela caverna. A imagem daquele ser era terrível e só de olhar Mago e Juninho entraram em choque. Haviam feito coisas horríveis para chegar até aquele momento, mas agora enfrentavam o verdadeiro significado da palavra, mas mesmo assim não tinham medo. Não sentiam medo. E se antes estavam sentindo algum resquício dele, naquele momento desapareceu completamente, dando espaço apenas ao espanto e admiração.
Mago se levantou, ainda se acostumando com aquela visão, e aos poucos foi possível ver o corpo esquelético daquele ser. Os ossos se assentando, cada um em seu devido lugar, e pôde ver as junções estalando e se encaixando de forma perfeita de modo a dar postura a seu mestre de quase dois metros de altura. Não pôde deixar de reparar que, embora fosse um ser apenas de ossos, seu rádio direito, a última peça a se encaixar de forma perfeita no úmero, gotejava sangue, sinal de que a primeira tarefa de fortificação havia sido cumprida: havia matado aquele a quem havia sido seu irmão em outra vida.
- Mestre – Mago falou -, está...está tudo bem?
- Espetacular – ele pareceu se deliciar -, espetacular...
- Sim, sim mestre – disse Mago -, estamos prontos para começar a fortifica-lo.
- Estamos? – O ser questionou -, Ainda não enxergo em minha totalidade, mas não vejo mais ninguém aqui além de você.
- O Jun... – Mago olhou em volta procurando seu assistente, quando viu que ele não estava, buscou mudar de assunto – é...me refiro a mim e a você, mestre. - Onde ele está? Mago pensou. Aquele verme não pode ter ido embora. Mago temeu. Juninho sabia demais para ficar andando por aí sozinho, mas não poderia se preocupar com isso naquele momento, o processo precisava seguir.
- Ótimo – a voz soou grave e imponente -, que se inicie a devastação.
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