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Capítulo 1 - Marcos

  • T.S.Duque
  • 5 de set. de 2015
  • 4 min de leitura

Foi assim que começou, pensando que o fim seria tão rápido quanto parecia, no entanto as circunstâncias diziam o contrário. Ele estava mesmo morrendo. Mas bem lentamente.


Tanto tempo trabalhando naquele cemitério fez Marcos perceber que a vida não era tão dificil de compreender como todos pensavam, viu tantas pessoas morrendo e sendo enterradas que passara a levar tudo de maneira natural. O ciclo natural da vida, pensava, e da morte.


Mas uma coisa não era natural. Nunca, em toda sua vida, poderia imaginar ser morto por alguém que ajudara a enterrar há pelo menos dez anos, aquilo era completamente inimaginável, mas estava ali, bem diante de si, um esquelético corpo humano se movendo lentamente em sua direção e, deitado no chão, via em paralelo o osso que lhe cravara as costas atravessando seu estômago, um osso que antes fazia parte do braço daquele ser e que lhe atravessara tão rápido quanto um raio.


Minutos antes estava no refeitório do cemitério, como fazia todos os dias as 18h, tomando um café com seu colega de trabalho Cicero. Nesse horário geralmente o dia já estava indo embora, e era possível ver a lua surgindo no céu, pronta para tomar seu lugar no palco. Marcos era desses sujeitos que adorava olhar para o céu e admirar a natureza e Cicero não era muito diferente. Muitas vezes saiam do refeitório e iam caminhar pelo cemitério, contemplando a vida, ou melhor, a morte, que os levava a pensar na vida, sempre, como algo frágil, tão frágil quanto poderia.


Foi nessa caminhada, depois de seu rotineiro café, que aconteceu. Um barulho no mausoléu de Irineu, uma pessoa que, quando viva, Marcos conhecia muito bem, chamou sua atenção e, como guardião daquele lugar precisava ir até lá dar uma olhada. Cicero pareceu assustado, mas Marcos era experiente, já havia passado por situações assim diversas vezes e chegado a conclusão que, quando não eram adolescentes desvairados enchendo a cara ou usando drogas a única outra opção eram os jovens namoradinhos que iam se engraçar lá por dentro, não via nada de erótico ou romântico nisso, mas se fosse parar para pensar nas coisas estranhas que davam prazer as pessoas não conseguiria mais ter tempo para trabalhar.


Sendo assim, tranquilizou e despediu Cicero.


- Vá ajeitando as coisas para irmos embora – disse ele -, vou lá espantar esses jovens e te encontro na saída.


Cicero não pestanejou. Partiu rápido e ligeiro em direção ao vestiário e Marcos se viu sozinho, diante de uma escuridão que deveria ser normal de encarar depois de tantos anos, mas que ainda lhe causava um certo calafrio.


Não queria assustar Cicero, por isso não comentou, mas o barulho, por ser na tumba de Irineu o preocupou. E uma predição lhe veio a memória, uma predição que lhe foi dita por sua avó, em meio a agonia de deixar a vida e passar para o outro lado, algo que sempre o perturbou, mas que buscou esquecer, no entanto estava voltando ali, bem naquele momento, diante de um fator que a tornava tão real quando poderia ser.


"Eu vejo - dizia ela -, eu vejo, uma nova raça se levantando dos mortos, e acabando com a humanidade, mas haverá alguém Marcos, haverá alguém que lutará contra essa raça e você precisa encontra-lo antes que seja tarde.


Onde vovó? Onde vou encontra-lo?"


Mas não houve resposta. E aquilo o perturbou durante toda sua vida. A ele e a única outra pessoa que havia escutado aquilo. Seu irmão. Seu irmão Irineu. Que agora parecia estar voltando para confirmar a história.


Depois que Irineu morreu Marcos se sentiu obrigado a trabalhar naquele cemitério. Queria ficar perto do irmão, talvez evitar o que sua vó disse, mas não sabia, no entanto, nunca soube, se seria capaz de evitar algo dessa magnitude, mas mesmo assim queria ficar por perto. Queria ter certeza. E agora estava tendo.


Não precisou chegar muito perto para ver o braço que se desenterrava da terra abrindo caminho para o resto do corpo e, ainda que com dificuldades, estava conseguindo se erguer de maneira precisa e eficiente, e não demorou muito para estar de pé.


E então Marcos correu. Tão rápido quanto poderia. Mas logo sentiu algo lhe atravessando as costas e então caiu. Se virou com dificuldade com as costas para o chão de modo a conseguir ver seu perseguidor.


Irineu se aproximou lentamente e Marcos já estava em agonia só esperando a hora de sua morte chegar. Foi quando sentiu o osso que lhe atravessara sair de suas entranhas e voltar para os braços de seu irmão caveira. Ouviu de longe a voz de Cicero o chamando e seu irmão se desmaterializou em sua frente, desaparecendo.


- Marcos – Cicero se aproximou, ajoelhando ao seu lado e tentando estancar o sangue -, o que houve?


- Corra daqui – Marcos falou com dificuldade -, está chegando. Está...chegando.


- O que está chegando? – Cicero falou em desespero.


- Achei você – Marcos resmungou -, finalmente achei você. Só pode ser você...


Marcos estendeu uma chave que estava em seu bolso, utilizando de suas últimas forças antes de partir.


- Você precisa... parar isso. Antes que...que seja tarde.


- Parar o que? – Cicero perguntou, mas já era tarde. Marcos havia partido.




 
 
 

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